segunda-feira, 17 de junho de 2013

Mario Cortella, um pensador londrinense

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Mario Cortella, um pensador londrinense

Considerado um dos principais filósofos do país, ele estimula o pensamento a partir de questões simples do cotidiano, como um sanduíche natural

20/05/2013 | 00:15 Fábio Luporini/JORNAL DE LONDRINA

A culpa de a filosofia ter entrado na vida de Mario Sergio Cortella é da hepatite que, quando criança, contraiu em Londrina. Por causa do escasso tratamento da doença, o garoto com 7 anos precisou se ausentar das aulas no então Grupo Escolar Hugo Simas para ficar em repouso absoluto. Em casa, ouviu rádio, leu gibis e tomou emprestado dos vizinhos autores como Dostoiévski, Cervantes, João Cabral de Melo Neto e tantos outros livros de filosofia. Quando fez 17 anos, entrou na ordem Carmelita Descalça, onde ficou três anos em clausura. Leu muito. Saindo de lá, virou professor e filósofo. Cortella, nascido em terra roxa, veio à Londrina na semana passada, quando recebeu o título de Cidadão Benemérito. O tempo de leitura na ordem carmelita deu ao filósofo uma bagagem cultural que o alçou à condição de professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) por 36 anos, além de assessor especial e chefe de gabinete de Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo entre 1989 e 1990, além de secretário da pasta no governo de Luiza Erundina, entre 1991-1992. Hoje, o londrinense é considerado um dos maiores pensadores brasileiros.

Pouco antes da palestra no auditório da PUC, Cortella recebeu o JL para uma entrevista.

Gilberto Abelha/JL


Você morou em Londrina até os 13 anos...
Mario Cortella – Nasci em Londrina em 1954. Meus pais eram paulistas. Pai gerente de banco e mãe professora. Vieram de Santa Cruz do Rio Pardo, Ourinhos e Bauru. Vieram pra cá quando o Norte do Paraná estava em expansão. Tanto que meu pai veio para abrir várias agências de bancos em cidades como Londrina, Marialva, Maringá, Astorga, Apucarana, Jandaia. Eu aqui nasci.

Esse momento da sua vida foi importante por que? Porque nesses 13 anos em Londrina eu criei raízes numa comunidade que era pequena. Quando me mudei daqui, em dezembro de 1967, Londrina tinha 60 mil habitantes. Era considerada um centro de referência na região. Mas era uma cidade que hoje se entenderia como pequena, perto de outras. A proximidade com a comunidade trouxe grandes vínculos de amizade. A minha escolaridade se deu aqui. Fiz o primário no grupo Hugo Simas. Depois fiz o início do fundamental, antigo ginásio, no Colégio Aplicação. Minha diretora foi dona Célia Gonçalves Dias, viúva do Vitorino Gonçalves Dias. Naquela formação tive a capacidade de viver numa cidade onde a gente ia aos eventos na Concha Acústica, onde a gente ia ver a fanfarra do Marista, que era uma coisa maravilhosa. A gente ia ao teatro, às vezes. A primeira peça que eu vi era num teatro que ficava na Rua Goiás, onde hoje é um prédio. Assisti O rapto das cebolinhas. Tive um gosto imenso um dia na vida porque em 1984 fui fazer conferências no Japão. Quando eu estava em Tóquio, eles fizeram uma peça teatral e foi exatamente O rapto das cebolinhas. Meu primeiro cinema foi o Ouro Verde. Depois foi o Cine Joia, de cinema japonês. Até hoje tenho uma apreciação por cinema japonês. Viver em Londrina, que juntava mineiro, paulista e italiano, além de japoneses e árabes, significa uma formação mais cosmopolita.

Como você chegou à filosofia?
Por uma coisa acidental. Aconteceu em Londrina, em 1960. Eu estava fazendo 6 para 7 anos de idade, no primeiro ano do Hugo Simas. E tive hepatite. Fiquei três meses e meio sem sair da cama porque não havia medicamento suficiente naquela época. Repouso absoluto. E não havia televisão em Londrina. O que faz um menino de 7 anos de idade? Num primeiro momento eu participava de programas de rádio. Ficava ligando pra Rádio Paiquerê, pra Rádio Alvorada, pra Rádio Clube. Segundo, lia jornal. Mas ele acabava logo. Na primeira semana eu lia os gibis, as revistas em quadrinhos. Depois os vizinhos trouxeram tudo o que tinham: Dostoiévski, Cervantes, João Cabral de Melo Neto e livros de filosofia. E aos 7 anos comecei a ler sem entender. Depois eu quis entender o que era lido. E o campo da filosofia acabou entrando no meu circuito de vida. Aos 17 anos de idade quis fazer uma experiência religiosa mais intensa. A minha formação é católica, fui da Cruzada Eucarística em Londrina, fui crismado por Dom Geraldo Fernandes, fazia parte das atividades da Matriz. E entrei numa ordem religiosa chamada Carmelita Descalça. Vivi na clausura por três anos. Fui estudando filosofia. Depois percebi que a experiência estava completa e pra mim não era a sequência que eu queria ter dentro do clero. Saí direto para a docência na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), em 1977, aos 21 anos, onde fiquei por 36 anos.

Como traduzir a filosofia para os jovens e adolescentes?
A gente precisa criar pontes. O autor mais jovem que eu trabalho em filosofia morreu há 2,5 mil anos. Para que eu possa trabalhar com esses meninos eu tenho que interessá-los em algo que está ligado ao agora. Posso perguntar para ele por que existe alguma coisa e não o nada. Isto é, qual a razão de ser das coisas? Ou discutir o cinismo das escolas de Diógenes ouvindo Lady Gaga. Ou construindo com alguma coisa ligada a Rolling Stones. Dou um curso inteiro fazendo uma pergunta do ponto de partida: existe sanduíche natural? Oferece a natureza um sanduíche ou ele é um produto cultural? Se ele é um produto da obra humana, vamos trabalhar os pensadores que trabalharam a diferença entre natureza e cultura. Assim posso ir a Nietzsche, a Kant. Parte-se do agora para se chegar onde é necessário chegar. Eu não fico onde estou, pois não é uma filosofia do cotidiano. É uma filosofia que parte do cotidiano para chegar à história e tradição.

 

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